Dinheiro Vivo: "Tenho a certeza que vai haver um desinvestimento no parque automóvel"

Dinheiro Vivo: "Tenho a certeza que vai haver um desinvestimento no parque automóvel"

O presidente da Associação Nacional do Ramo Automóvel (ARAN), e agora também vice-presidente do organismo europeu (CECRA), entende que o setor enfrenta profundas mudanças e considera "fundamental" um novo programa de abate de veículos

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Que relevância tem, não só para si como para Portugal, estar presente no cerne da distribuição automóvel europeia numa altura de grande incerteza para o setor?
A minha eleição para os órgãos sociais e vice-presidência do CECRA [European Council for Motor Trade and Repairs], com a responsabilidade da divisão que representa todos os concessionários automóveis na Europa, é um desafio que não deixa de ser acompanhado de alguma preocupação. Estamos a viver uma altura muito exigente para todos os setores da economia, e muito especialmente para o setor automóvel. O CECRA é um conselho europeu que une várias associações e representa a distribuição, o retalho, os concessionários e os reparadores independentes, ou seja, todas as vertentes deste negócio. Tem uma equipa em Bruxelas que representa os interesses legítimos da atividade junto da Comissão Europeia, funcionando como um watchdog do setor.

 

Quais são as principais preocupações dos vários agentes a nível europeu?
Todos os assuntos que tenham a ver com a conectividade do carro, com a informação que esses carros libertam, a quem pertence essa informação, e também com todo este caminho da nova mobilidade e as suas implicações. Tenho muita motivação para enfrentar este desafio que também tem a ver com os direitos dos consumidores europeus e com relações mais justas do ponto de vista contratual entre as marcas e os concessionários. Temos de ter a balança equilibrada, que pende sempre muito mais para o lado da indústria automóvel. Porém, na Europa há 12 milhões de empregos no setor automóvel e desses apenas três milhões é que estão efetivamente na indústria. Temos, por vezes, a ideia de que a indústria é o grande empregador no setor automóvel, mas não é assim. Claro que, sem indústria, não temos produto para vender, mas há ainda nove milhões de empregos que estão ligados ao comércio, à reparação, à logística.

 

A indústria automóvel tem, de facto, um lobby fortíssimo. O CECRA pretende então conseguir equilibrar este jogo de forças?
Não estamos contra a indústria, mas, neste momento em que se fala em novos modelos de contratos de distribuição, como os modelos de agência, há muita preocupação, sobretudo com os falsos contratos de agentes que estão a ser propostos aos concessionários. Entendemos que é legítimo haver verdadeiros contratos de agência, mas não achamos que seja legítimo apresentar falsos contratos deste tipo. No Fórum Anual do CECRA, que decorreu há uns dias em Barcelona, este foi um assunto consensual entre os cerca de 150 participantes: é legítimo haver diferentes relações comerciais, é legítimo serem propostos diferentes tipos de contrato, mas há que ter boa fé e, para isso, tem de existir um goodwill para os operadores que trabalham as marcas há dezenas de anos, e que não podem cair numa incerteza contratual, em que não lhes é dado nenhum tipo de estabilidade para negócio. O verdadeiro modelo de agência passa o risco, quase na totalidade, para os fabricantes, e o agente, para o contrato ser legítimo, não pode ter nenhum tipo de investimento. Ou seja, é somente um agente: entrega o carro e recebe um fee por esse trabalho. E o que estamos a ver, infelizmente, não é isso.

 

Esta questão dos novos contratos de distribuição é o tema mais quente a nível europeu?
Esta é uma das nossas principais preocupações, sim, até porque também põe em causa os direitos dos consumidores. O modelo de distribuição automóvel tradicional é concorrencial, está sempre a tentar, com muito dinamismo, atrair clientes e quem ganha é o consumidor. Com estes novos formatos, nomeadamente com o modelo de agência legítimo, o produto passa a ter um preço fixo. Com a subida generalizada dos custos de produção, com a falta de matérias-primas e de semicondutores haverá alguma oportunidade para os fabricantes subirem os preços finais ao consumidor. É a lei do mercado a funcionar. Neste caso, contra o bolso dos clientes, mas é a lei do mercado a funcionar.

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