Um concessionário austríaco interpôs uma ação judicial contra uma conhecida marca de automóveis, a Peugeot, alegando que, no âmbito do contrato de concessão celebrado entre as partes, a segunda exercia abuso de posição dominante, quer no sector das vendas de veículos novos, quer no após venda.
No caso concreto, as vendas de veículos novos da marca demandada, representava 60% do total das vendas efetuadas pelo concessionário. Pelo que, se afigurava essencial ao concessionário a manutenção da relação comercial com a referenciada marca, sob pena de pôr em causa a sua subsistência.
Na sequência da referida ação, o tribunal de 1ª instância austríaco condenou a marca, por abuso de posição dominante sobre um concessionário.
- Obrigação em participar nas promoções:
No âmbito da participação do concessionário em promoções, considerou o tribunal que, na teoria aquele é livre de participar em todas ou algumas ações promocionais desenvolvidas pela marca. No entanto, na prática, a não participação é economicamente insustentável. Entendeu o tribunal que, as adesões às campanhas promocionais são fundamentais para que o concessionário alcance os objetivos mensais definidos, pois caso não os atinja, coloca em risco a obtenção de determinados bónus.
A sentença referencia ainda que os preços definidos nas ações como meramente indicativos, na realidade não o são, pois não ficou demonstrado que o concessionário é suscetível de definir preços de venda independentes dos preços definidos pela marca.
Com efeito, entendeu o julgador que a marca compelia o concessionário à participação em promoções, e consequentemente impossibilitava o concessionário de definir o preço de venda ao consumidor final.
Nessa conformidade, o tribunal considerou existir abuso de posição dominante, na venda de veículos novos, no que concerne à restrição unilateral da liberdade de definição de preços e coerção económica para participar em ações promocionais definidas pela marca.
- Resultados dos inquéritos de satisfação manipulados e irreais:
No âmbito das vendas de veículos novos, o concessionário envia ao cliente, através de email, um inquérito de satisfação. No caso concreto referenciado na ação judicial, o questionário formulava três questões, uma das quais referentes à satisfação geral e as outras duas, sobre a recomendação da empresa a terceiros e sobre a equipa. O questionário solicitava ao cliente a atribuição de uma pontuação a cada uma das questões, sendo que dez pontos correspondiam ao nível mais elevado.
Neste caso em particular, era exigível ao concessionário uma avaliação do cliente de nove ou dez pontos para que alcançasse o prémio de qualidade. Assim, sempre que o cliente atribuía uma pontuação entre um e oito pontos, o concessionário deveria contactar o cliente e solicitar a alteração da pontuação, fazendo referência que com a pontuação atribuída, a empresa poderia perder o bónus de qualidade. Refere a sentença que, a maioria dos clientes aceita alterar a pontuação solicitada e com efeito considera que os resultados obtidos são manipulados. Considerou o tribunal que este tipo de atuação chega a ser vergonhoso para o concessionário e que o procedimento de fazer depender a atribuição de bónus ao resultado obtido nos inquéritos não esta relacionado com o aumento real da satisfação dos clientes.
Resultou provado que a dependência da pontuação atribuída pelo cliente, no âmbito dos inquéritos de satisfação, para atribuição de prémios pela marca ao concessionário, coloca este último numa situação de dependência económica face ao primeiro.
Com efeito, considera o tribunal que deverá cessar a política de atribuição de prémios face os resultados dos inquéritos de satisfação do cliente.
- Falha das metas definidas leva à redução das margens de lucro:
No desenvolvimento do contrato de concessão, a marca define metas de venda para cada concessionário. As atribuições de prémios de desempenho estão dependentes do concessionário conseguir atingir as metas definidas.
No entanto, no circunstancialismo concreto relatado, para a atribuição do prémio mensal ao concessionário, é a data de entrega do veículo, e não da venda, que é considerada. Por isso, refere a sentença, que poderá fazer sentido ao concessionário adquirir veículos para stock e vendê-los a preços mais reduzidos, para conseguir alcançar as metas mensais definidas e consequentemente, o prémio de desempenho. Contudo, entende o tribunal que esta dinâmica gera uma enorme pressão sobre o concessionário face à dificuldade no cálculo dos riscos, pois um eventual atraso na entrega de um veículo ao cliente, poderá levar a que seja reduzido ou não atribuído um prémio com o qual contavam.
Por outro lado, considerou o tribunal, face à análise das metas definidas para os anos de 2018 e 2019, que a marca tem tendência a ser excessivamente ambiciosa e a fazer estimativas em alta, definindo se deste modo, objetivos mensais e anuais exagerados. Considera o tribunal que as expectativas de venda são desproporcionadas, num ambiente de mercado complicado e que assoberbaram o concessionário.
Com efeito, face a um complexo sistema de cálculo do prémio de desempenho com riscos associados para o concessionário, o tribunal considerou que tal prática restringe a concorrência.
- Serviços economicamente não rentáveis no após venda:
Refere a sentença judicial que, no âmbito das garantias, o trabalho realizado pela oficina é remunerado tendo em consideração os custos com o material, bem como o tempo de trabalho para a reparação de determinada avaria e modelo de veículo [custos de reparação padrão].
No entanto, apurou o tribunal a existência de um complexo sistema burocrático na submissão de um pedido de garantia à marca para efeitos de controlo e que a oficina não é remunerada pela execução desse trabalho. Com efeito, parte deste tempo, acaba por ser um custo para a oficina.
O tribunal conclui que, embora o controlo seja do interesse da marca e que dentro de determinados limites é justificado e necessário, uma parte significativa dos custos desse mesmo controlo são suportados pela oficina, tornando o serviço não rentável.
Considera o tribunal que não é legitimo que seja a oficina a suportar os custos com o tempo despendido na submissão de processos em garantia para efeitos de controlo pela marca.
No entanto, a ação não foi totalmente procedente e o tribunal absolveu a marca em determinadas matérias tais como:
- no âmbito do investimento imposto pela marca [porquanto, a marca participa de modo substancial nos custos];
- dos preços e taxas cobrados sobre os equipamentos de teste/diagnóstico e acesso a documentos técnicos [a oficina não consegui demonstrar que os custos são elevados e incompatíveis com os praticados no mercado];
- da formação obrigatória [perante a essencialidade que as partes reconheceram e o acesso a informação técnica complexa, não ficou demonstrado que o valor era exagerado];
- da pressão para admitir o menor número de casos possível de garantias [obrigação contratual em aceitar a verificação de todas as reclamações no âmbito das garantias].